Região de MS onde indígena foi morto vive sob violência de pistoleiros há mais de uma década
Ataque ocorreu no fim da madrugada de domingo (16).
A região de Iguatemi (MS) onde Vicente Fernandes Vilhalva, indígena Guarani-Kaiowá de 36 anos, foi morto durante um ataque armado, nesse domingo (16), enfrenta conflitos há mais de uma década. A tensão entre indígenas e proprietários rurais começou em 2013, quando a área foi delimitada como Terra Indígena pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A área em conflito integra a Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I. Em 2013, foram reconhecidos e delimitados mais de 40 mil hectares como TI. Porém, só em 2014, a partir de uma decisão judicial, os indígenas conseguiram o direito de viver em apenas 90 hectares do total delimitado.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 MS no WhatsApp
🔎 Para compreender os mais de 10 anos de conflitos em Iguatemi, é preciso conhecer o processo de demarcação de Terras Indígenas (TIs). Antes da demarcação, ocorre a delimitação, etapa em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) identifica a área de ocupação tradicional de um povo indígena por meio de estudos sociais, históricos e ambientais. O relatório da Funai define o local como Terra Indígena.
➡️ Somente após a delimitação da Funai, o Ministério da Justiça pode declarar oficialmente a TI. No caso da Terra Indígena Iguatemipeguá I, o relatório de delimitação foi concluído e enviado ao ministério em 2013, mas a demarcação ainda não foi finalizada.
O g1 questionou a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul (Sejusp-MS) e a Polícia Federal sobre investigações em curso relacionadas à violência contra indígenas na região, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Comunidade Pyelito Kue
Mapa da TI, em Iguatemi (MS).
Terras Indígenas no Brasil/Reprodução
Vicente fazia parte da comunidade indígena Pyelito Kue, que vive na TI Iguatemipeguá I. ️Segundo indígenas que vivem na TI e representantes do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), o ataque armado foi o quarto deste mês, sendo o mais sangrento. O indígena foi velado nesta segunda-feira (17).
Conforme apurado pelo g1, os três primeiros ataques deste mês tiveram como alvo os indígenas, na tentativa de expulsá-los da área de retomada, considerada terra ancestral e ainda em processo de demarcação. Cerca de 60 famílias vivem na região, que tem mais de 40 mil hectares e sobreposição de pelo menos cinco fazendas.
LEIA TAMBÉM
'Cena de guerra', diz indígena Guarani Kaiowá sobre ataque armado com morte em MS
Indígena morto em ataque armado é velado em comunidade em MS
Em outubro deste ano, a comunidade Pyelito Kue retomou parte da Fazenda Cachoeira. Entretanto, o processo de retomada é muito mais antigo. Segundo o Cimi, desde 2015 os indígenas mantém ocupação na Fazenda Cambará.
Essas áreas estão no centro de disputas com proprietários rurais. Desde a delimitação feita pela Justiça em 2014, os Guarani-Kaiowá tentam expandir seu território, alegando que o espaço atualmente destinado a eles não é suficiente para plantio nem para a sobrevivência, o que motiva novas retomadas.
Ataques recorrentes
Jornalista canadense e dois brasileiros que gravavam documentário são atacados em área de disputa de terra em MS
Segundo relato de moradores da TI, o medo e a insegurança são recorrentes. Em novembro de 2023, o fotojornalista canadense Renaud Philippe, a cineasta e antropóloga Ana Carolina Porto e o engenheiro florestal Renato Farac Galata foram agredidos por pistoleiros na mesma região.
O trio estava em Mato Grosso do Sul para produzir um documentário sobre o conflito entre indígenas e produtores rurais na comunidade.
Conforme os registros do Cimi, os ataques aos indígenas por pistoleiros em Iguatemi são recorrentes e há relatos de abusos, insegurança e medo. O conselho também denuncia situações de cárcere e até mesmo abusos sexuais.
Em nota enviada após a morte de Vicente, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) relembrou a sequência de ataques que os povos originários têm sofrido em Mato Grosso do Sul. "As retomadas dos indígenas Guarani Kaiowá na região se intensificaram nos últimos meses com o objetivo de frear a pulverização de agrotóxicos, que vem causando adoecimento e gerando insegurança hídrica e alimentar", destaca a nota.
Nas redes sociais, a Assembleia Geral do povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), organização regional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudiou o último ataque e enfatizou a sequência de ameaças
“Nossa luta é pela vida, pela terra e pelo Tekoha Guasu, Não aceitamos mais ser tratados como invasores em nossas próprias terras. A Constituição Federal garante nossos direitos, e o Estado brasileiro tem o dever de proteger nossos povos”.
Cerco a indígenas e obstrução de forças de segurança
Indígena Vicente foi morto durant ataque em comunidade de Iguatemi (MS)
Claudencia Solano
Segundo o Cimi, o ataque que matou Vicente começou a partir de um um cerco aos Kaiowá e Guarani obstruindo os acessos à aldeia. Segundo a Funai, cerca de 20 homens vindos de uma fazenda cercaram a área, destruíram barracos e efetuaram disparos prolongados. A Polícia Federal conduz duas apurações paralelas quanto ao ataque brutal:
o ataque armado contra a comunidade indígena;
a morte do trabalhador rural, cuja causa ainda é desconhecida.
As conclusões dependem dos laudos periciais e de depoimentos que ainda estão sendo coletados.
Em nota, o Cimi destacou que a Funai acionou a Força Nacional para atender a ocorrência. Porém, as equipes chegaram atrasadas em razão de obstruções causadas pelos pistoleiros, incluindo a destruição de uma ponte. Os militares só chegaram ao local por fazendas do entorno. Indígenas confirmam que o acesso foi derrubado.
Região sul do estado em conflito
No mês passado, uma outra área da região sul de Mato Grosso do Sul, estava em conflito por terra. A disputa é em Caarapó, a 149 km de Iguatemi.
À época, a situação se agravou após indígenas atearem fogo em uma propriedade privada, que está sobreposta a uma área de retomada.
A partir deste episódio, o Ministério da Justiça estabeleceu a permanência da Força Nacional na cidade e estendeu a atuação dos militares para Iguatemi, devido ao histórico de confrontos.
Indígena de 36 anos foi morto durante o ataque.
Comunidade de Takoha Pyelito Kue
Veja vídeos de Mato Grosso do Sul:FONTE: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2025/11/17/regiao-onde-indigena-foi-morto-em-ataque-armado-sofre-violencia-de-pistoleiros-ha-mais-uma-decada-em-ms.ghtml